Rascunhos em forma de poesia

Ela…

Era ela
Caminhava em círculos no infinito
Guardava sorrisos na algibeira
Era ela
Falava só pela manhã
Fugia do sol como da chuva
Era ela
Largava segredos num só grito
Tocava tuba na ribeira
Era ela
Mordia sonhos como maçãs
Descascava sementes num só monte
Era ela
Lançou sempre a razão para longe
A certeza sempre incerta
Era ela
Cuidava-se ao espelhar da água da fonte
Reluzia como estrela em noite escura
Era ela
Ficava sentada na berma cantando
Dançava em rodopio sempre alerta
Era ela
A lua que luzia sob meu espanto
O raio que nos meus olhos era o meu encanto
Era ela
Ela
A flor mais bela
Era ela

(tu)




Águas

Águas que enchem
Vazam correntes em terra
Brilham e espelham sortidos de alma
Choques de temperatura em guerra
Alimentos que se caça
Sal que se coça
Doçura que me banha
Águas de poça
Cheiros cansados de mar
Amar de tanto doer
Sonhos que ajudam a respirar
Águas que não param de correr
Bermas de lama
Um sol escondido em sombras
Ondulações estendidas em vão
Águas que me escorrem pela mão
Águas que me banham o rosto
Lágrimas que se lançam ao rio
Mergulhos limpos de sede
Águas quentes que me deixam frio






O despertador da madrugada

De olhos fechados numa inconsciência estranha mas saborosa esbarrei numa casca de amêndoa torrada barrada a manteiga de amendoim escorrendo num canto de uma boca em fio de sangue pisado…
Era Verão!
O vento soprava de leste tocando suave nos meus sapatos de cetim, sola baixa, sol alto, queimando forte, tornando o suor puro, latejando rosto a baixo…
Não existiam sombras nem formas tostadas em um único circuito!
Girava uma escova raiada em lisos cabelos mel guardados por perto de 30 anos numa gaveta de rascunhos e historias…
Era tempo de férias!
Cada lágrima escorria sólida quebrando silêncios emocionais na pista desenhada em papel de fundo branco como parede que pintas a óleo num só retrato…
Através do despiste psicológico, a intervenção sentimental surgiu em plano secundário quebrando passos na física que transformara a química num momento único de um luar cansado de tanto céu envolvente…
Tive que me levantar!!!
Já era manhã…
Mais uma sensação abominável a servir de escravo ao meu sossego e descanso!
Bom dia, é só uma falsa expressão que caiu no goto de ser bem falada por ser uma frase bem decorada em toda a consciência pesada até ficar tarde…
Boa noite, soa a brilho e silêncio merecido numa só nota musical deixada num momento anterior adivinhando que amanhã será outro dia…
Que assim seja, será sempre merecido!
Assim me convido, assim te convido…





Quadro da paixão

Voltei a pintar
Desenhei-te na minha tela
Voltei a pintar aguarela
E fresco o quadro
Rebolei na pintura
Juntei-me a ti no retrato
juntei-te a minha figura

Fizemos amor barato
Tudo num só desenho
Desfigurei-te na obra
Meu corpo suado
Um pouco esborratado
Tinta de sobra

Mas juntos para sempre
O tempo secou a pele
Amor de pastel
Salteei o pincel
Assinando nos sentimentos
Perdemos sentidos
recordou-se momentos
Ganhamos brilhos de cor
Refrescámos assim do calor
Memórias de dias e noites
Ficou o registo
Ficou a recordação
Tal como ficaste no meu coração
Neste quadro da paixão




Há já algum tempo…

Há já algum tempo que respiro
Inspiro e expiro
Choro e riu
Tenho calor e frio
Há já algum tempo que não sinto a minha falta
Que não estou em alta...
Levanto-me e tropeço
Peço mas não confesso
Há já algum tempo que sinto o vazio
Não sinto o arrepio
Perdi a pronuncia no olhar
Perdi o brilho de amar
Há já algum tempo que tento não chorar
Dar um passo para andar
Recuar sem dor
Suspirar de amor
Há já algum tempo que ando por aí...
Penso muito em mim
Não chego a uma conclusão
Dói-me o coração
Há já algum tempo que a sorte não me visita
Minha voz não grita
Minha mente se evaporou
Minha alma cansou
Há já algum tempo que não sei nada
Contos de fada
Canções de embalar
Sussurros para o ar
Há já algum tempo que tento viver
Que me sinto a arder
Me sinto a envelhecer
Mesmo a apodrecer
Há já algum tempo que não brinco
Só estilhaço
Não sinto
Só trinco
Há já algum tempo...
Há já muito tempo...
Estou proibido de sonhar
Estou preso ao meu olhar
Há já algum tempo...

É já muito tempo!




Remédio SENTIR

Solta-te e faz do tempo a promessa
Os segundos são horas passadas
Os risos são reparos da natureza
Os suspiros são almas pesadas
As regras são motivos de dança
O sol se esconde para te ver passar
Caem lágrimas em forma de esquiços
Sopram ventos em teu amar
Grita e sobram dedilhados de ternura
Amor que separa o medo na escolha
Grutas que escondem clareiras endiabradas
Gotas que deslizam folha a folha
O remédio está no beijo sagrado
Ao toque efémero da loucura
Unem-se formas de toques profundos
Trocam-se sonhos de forma pura
No tempo que correm vozes sentidas
Escutam-se momentos sóbrios de loucura
Desabafam-se verdadeiras obras de arte
Descolam-se palavras de ternura
A mão estende-se em teu redor
O frio espalha-se no espaço cru de cada mente
Arrepiam-se corpos em artes contemporâneas
Beijos soltos ao sabor da corrente
Apetecia-me ser eu a provar maravilhas
És tu que me sopras pra longe
Sou eu que fujo pra perto
Somos trajes da vida ao descoberto
Somos quem sente e quem sente está certo!




E eu existo?

Existe um mundo meu fantasma
Tão teu lá fora
Tão livre como nós no tempo
Tão meu cá dentro
Existe um sol só pra nós
Uma luz só pra ti
Uma sombra minha e tua
Para nós a mesma lua
Existe um banho d´alma no céu
Um fogo que é teu
Um choro que é meu
Um segredo que é nosso
Existe uma palavra pra te descrever
Tão forte quanto tu
Tão simples quanto eu
Tão linda como tu
...
Existe um castelo que te pertence
O céu é teu num só voo
A liberdade é só tua
Em nós o brilho da lua
Existe um mundo
Existe um sol
Existe a lua
Existes tu!




Banho de pétalas escalfadas

Banho-me ao som de efémeros sentidos
Ao toque de um só cheiro a sabão
Ao de leve…
Lavo o cabelo do suor da noite
Lavo a mente das quedas infernais
Chegou a hora…
Lá vem o dia…
As sombras que me perseguem caem no asfalto
Os ossos que me seguram quebram barreiras
A tua ausência dá-me calafrios
Escondo-me por entre lágrimas destemidas
Desvio o olhar pra espreitar quem espezinho
Deixo a pele secar ao vento…
Ofegar ao relento…
Deixo poças de lama no fundo
Sinto a areia movediça esbarrar por entre os dedos
Uma lavagem desértica de afrontes
Perco cabelos na esfrega da madrugada
Deixo de te ouvir cantar
Crescem-me asas com formatos de rosas
Penas aguçadas em brilho de pétalas
Não consigo respirar…
Bafeja-me vapores óxidos no sistema!
Voaremos juntos para outro caldeirão
Num só banho lambido de amor…





Era… Um sonho!!!!


Eras tu que acreditavas que me vias
Poderia eu ter as asas do diabo?
Eu que não acreditava no que estava a ver
Sei que era eu que não te podia esquecer
Era eu a querer me lembrar sempre de ti
Eu a sentir-me indefeso nos teus braços
Era como um céu que te abraçava
Era como uma corda que nos entrelaçava
Era o sonho que juntava nossas mãos
Unia os dedos entrelaçados numa só sombra
A lágrima que escorria no rosto era emoção
Os olhares que se cruzavam era paixão
Existia o abraço de olhos cerrados
Sentia-se o primeiro arrepio de dois corpos colados
A verdade era sussurrada pelo momento
O acto era movido pelo sentimento
Dois lábios tocavam-se timidamente
Era o beijo que se desfalecia em ternura
Eram dedos que deslizavam no rosto em forma de abraço
Eram sensações harmoniosas num só laço
O silêncio fazia-se sentir em gestos de carinho
Os corações batiam forte num só caminho
Era o segredo que subia átona de água
Foi o sonho que por momentos afogou a mágoa




Hoje sou… Amanhã nada!

Numa introdução, parece macia a sombra!
Na curva desliza uma poeira sóbria...
Será retrato?
Será mato?
Não vejo...

Espera!
Deixa-me passar contigo!
Posso?
Deixo o abrigo,
Deixo cada curva como se fosse recta,
Agarro-me à sombra em fim de tarde...
Luz que queima,
Sombra que arde!
Cravo na pele teu sorriso,
Choro sementes de alívio,
Tropeço na dor que piso...
Hoje estou sóbrio!
Estou sem cor...
Tiro o chapéu na tua presença,
Faço uma vénia,
Sou pastor...
Dou um passo sem direcção,
Deixo para trás uma só pegada!
Hoje sou monte...
Ontem fui vale...
Amanhã sou nada!
Sou nuvem delineada,
Sou chuveiro de sol,
Sou o olhar que divide o tempo do espaço,
Sou lágrima seca a derramar...
Sou esboço de terra e ar!
Hoje sou...
Amanhã nada!
Sou mão fechada,
Cerrada ao silêncio...
Hoje sou...
Livre!
Amanhã...
Nada!
Hoje serei doce,
Amanhã espada!
Sou mais fraco,
Mais humano...
Sou chuva e trovoada...
Sou a certeza perdida,
A luz cansada,
O levantar de um só desejo,
A procura de um só beijo...
Hoje sou...
Amanhã nada!
A fonte que carrega a mágua!
Sim...
Habituado!
Não adianta esconder,
Não adianta fingir...
Sou como tenho que ser,
Sempre fui como deixei sentir!
Ao relento...
Muitas vezes penso:
-Devo deixar sentir tanto?
Esqueço...
Logo me levanto...
Tantas vezes que não...
Fico transparente...
Só por vezes!
Sei que não sou diferente!
Suspiro...
Não tenho outro remédio!
Não tenho outra guarda...
Hoje sou...
Amanhã...
Nada!
Amanhã nada!
Amanhã nada!
Sempre nada!
Sou...